O Concílio Vaticano II fala da importância de celebrarmos bem a liturgia, conservando nossa união com Cristo pela vivência na Igreja, para que nos tornemos testemunhas de uma genuína transformação pessoal (Sacrosanctum Concilium, nº 1). Dessa recomendação, nasce o desejo de termos uma conversa sobre o Tempo do Advento.
Comumente ouvimos que o Advento tem por principal característica inaugurar o ano litúrgico. Mas em razão de sua natureza, possui ainda outras características que devem ser consideradas com carinho e atenção. Aqui poderemos nos aprofundar em algumas delas: o encontro com o Senhor, a espiritualidade que lhe dá tônica e a recordação de quem nós somos diante de Deus.
Para entendermos bem o que se celebra no Advento, vamos precisar deixar de lado a concepção que ele apenas prepara a Igreja para o Natal. Na verdade, o Senhor sempre vem ao encontro das pessoas. Podemos tomar como exemplo o versículo nono, no terceiro capítulo de Gênesis, quando Deus procura Adão e Eva pelo jardim (Gn 3, 9), ou quando desceu ao encontro de Moisés e do povo de Israel que padecia escravidão no Egito (Ex 3, 7), e ainda quando chamou os profetas para seu santo serviço: Amós veio do meio do rebanho e das plantações (Am 7, 14-15), Jeremias escolhido desde antes do ventre materno (Jr 1, 4-6), Isaías se colocou à disposição para falar ao povo em nome de Deus (Is 6, 8). O Senhor veio. Nunca abandonou a obra de suas mãos.
Mas também veio na carne, “quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher” (Gl 4, 4). Tendo manifestado sua presença de outras formas, o Senhor assume a condição humana, entra na nossa história e revela aos corações uma nova via de acesso ao Reino do céu: “amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Além disso, deu a conhecer que é possível colaborar na construção da justiça, da paz e da bondade quando tomou a palavra na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar a boa nova aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18).
Pela proclamação da Palavra, pelos sacramentos e pela dimensão caritativa, a Igreja torna presente a missão de Jesus com toda a sua força e eficácia. Por conseguinte, descobrimos que o Senhor vem. E vem de modo novo a cada ação litúrgica. Embora as celebrações aparentem repetição, as motivações que trazemos conosco são diversas em cada momento; falando ao coração, manifesta-Se de modo singular, fazendo daquele encontro com sua assembleia ocasião única e irrepetível, sempre nova e surpreendente. Sem sombra de dúvidas, o Senhor vem!
Este convite feito à Igreja para unir-se e reunir-se em Seu nome faz com que cada fiel possua o ardente desejo de configurar-se sempre mais ao seu Senhor. Porém, enquanto caminharmos entre as coisas deste mundo, que são passageiras, não alcançaremos a perfeição de vida. Noutras palavras, a eternidade surge como uma oportunidade para estarmos em plena comunhão com a Trindade. Por isso, aprendemos com os primeiros discípulos a esperar o cumprimento das palavras de Jesus ao prometer que o Filho do homem voltaria em glória (Mt 25, 31ss). Assim, o Senhor há de vir!
Essas três grandes realidades da presença do Senhor em nosso meio marcam a espiritualidade do Advento. É um tempo oportuno para o silêncio, sobretudo na Liturgia da Palavra, ambiente privilegiado da escuta das Sagradas Escrituras, como nos exorta a própria Introdução ao Missal Romano quando diz que “sejam conservados breves momentos de silêncio” (nº56). Se é verdade que as celebrações ocorrem pela resposta ao convite que Deus nos faz, é também verdade que Ele deseja falar conosco. O diálogo surge quando, pelo silêncio, deixamos que Sua própria presença comunique aquilo que as palavras não alcançam.
A expectativa da chegada, do cumprimento da promessa torna o ambiente celebrativo mais sóbrio, fazendo uso moderado das flores, e o roxo usado nas vestes litúrgicas demonstra o tempo de renovação interior. A penitência é o mais claro sinal da preparação para nos encontrarmos com Jesus. No presbitério, se destacam as quatro velas que formam a coroa do Advento. Acesas uma a cada semana, são sinais do processo da manifestação da presença divina na humanidade: a encarnação, a vida entre os homens, a permanência nos sacramentos e sua vinda gloriosa. Como se fala em coroa, a forma circular, como uma aliança, quer exprimir a eternidade de Deus, sem começo e sem fim. Não obstante, a própria simbologia das velas é de recordação da luz de Cristo e de sua salvação estendida aos quatro cantos da terra[1].
Essa universalidade da obra de salvadora aponta-nos um último elemento a ser considerado: quem somos nós? Em primeira pessoa: quem sou eu? Responder tal questão é por demais desafiador, porém, deixando de lado o viés filosófico e psicológico, desponta a força da antropologia teológica expressa neste Tempo do Advento. O Papa João Paulo II, hoje santo, escreveu uma encíclica sobre o Redentor dos Homens, e no décimo parágrafo afirma: “Cristo Redentor revela plenamente o homem ao próprio homem”. Dessas palavras do Santo Papa, podemos concluir que nossos olhos devem estar fixos em Jesus, porque nos une mais intimamente ao projeto quisto antes do pecado dos nossos primeiros pais: sermos aquilo que fomos criados para ser, imagem e semelhança do Deus todo poderoso. Não em onipotência, mas na incondicional capacidade de amar e de se dispor ao serviço do próximo.
Outro sinal claro dessa humanidade é a figura de Maria Santíssima, a Senhora do Advento. Colaborou com o projeto redentor e salvador de Deus quando disse o “faça-se” (Lc 1,38), esperou com alegria a chegada dAquele que já estava com ela, literalmente dentro dela. Gestar a cada dia a presença do Senhor pela oração, pela prática do bem e pelo anúncio da dignidade humana é um convite diário aos que possuem um coração sensível, silencioso a ponto de calar o mundo efêmero e ouvir a eternidade que chama.
Portanto, a presença do Senhor que veio, que vem e que há de vir é um projeto para toda a vida, que será facilitado se deixarmos que o Espírito Santo nos conduza pela milenar sabedoria da Igreja e de sua Liturgia. Sua vida entre nós é o modelo de humanidade que almejamos. Experienciar o Tempo do Advento consiste em fazer um exame de consciência apurado, descobrirmos o que em nós precisa de mudança, nos esforçarmos para que aconteça e sabermos que podemos colaborar na construção do Reino, aqui e agora.
[1] <https://www.cnbb.org.br/o-significado-e-a-simbologia-da-coroa-do-advento/>
Por Pe. Romário José da Silva