Iniciamos mais um ano litúrgico com o primeiro domingo do Advento. Caminhamos no tempo de Deus, no Kairós, tempo oportuno, apesar de vivermos no tempo chamado kronos, que é o tempo enquanto quantidade, que esgota, cansa, devora. O Kairós, por sua vez, restaura, salva, fortalece.
Já no antigo Israel, há um mandamento que se refere ao Kairós (sábado) como dia de descanso, contemplação, admiração, liberdade. O sábado estava destinado ao descanso enquanto condição de liberdade, frente à experiência de escravidão vivida pelo povo no Egito (Ex 20,8-12). O sábado, portanto, é o tempo oportuno, é o Kairós. Esquecer do Kairós significava recair na escravidão. Guardar o sábado, assim, é um mandamento da Lei de Deus. É evidente que não se trata do sábado como entendemos hoje. É muito mais do que isso. O descanso sabático significa autocontrole, isto é, liberdade frente às ocupações do mundo. O foco é não perder de vista o “tempo de Deus”.
A experiência humana tem caminhado por outro lado, dando mais atenção ao kronos do que ao Kairós. É notável que o desastre se apresenta com consequências muito dolorosas para a humanidade. O Novo ano litúrgico é mais um grito de Deus, em Jesus Cristo, sobre o que de fato vale a pena e que escolha devemos fazer. Maria escolheu a melhor parte (Lc 10,42).
Há evidências de que a pandemia pela qual estamos passando é resultado do excesso de tempo dedicado ao que é assessório em detrimento do que, de fato, é necessário. Nesse sentido, a pandemia que assusta o mundo não é a única. Outras pandemias estavam e estão presentes e poucas pessoas perceberam e percebem. A pandemia das drogas, do consumo, do esgotamento do planeta, da produção de lixo, do estrago de alimentos, da fome, das doenças, do aquecimento global, das drogas, da violência, da desestruturação familiar, da religião transformada em mercadoria (e sendo cooptada pelo dinheiro), a imoralidade generalizada em todas as camadas sociais, enfim, a “pandemia da desumanidade”.
O Papa Francisco lembrou, no dia 27 de março de 2020, na praça São Pedro: “acreditávamos que estávamos sadios num mundo doente”[1]. Portanto, em um mundo cheio de pandemias, as quais atingem a todos, por causa da cegueira espiritual, elas se tornaram invisíveis. Foi preciso aparecer a COVID 19, assustando o mundo, para que a humanidade despertasse do sono. Acompanhamos inúmeras leituras feitas de diversos eventos e situações, sempre a partir da pandemia. É comum encontrarmos afirmações como: reuniões em tempo de pandemia, celebrações em tempo de pandemia, pastoral em tempo de pandemia, relacionamentos em tempo de pandemias etc. Como seria bom se a partir de agora aprendêssemos a fazer leituras a partir de Deus.
As vacinas foram anunciadas. Boa notícia! Voltaremos ao “normal”! É o que se escuta mundo afora. Qual o normal? Aquele de continuarmos fazendo tudo como antes? Qual a vacina que pode oferecer garantia de imunidade para a humanidade diante da ameaça das pandemias presentes e das futuras? Mais uma vez, corremos o risco de colocar a vida em perigo ainda maior, se a confiança humana estiver apenas em suas descobertas, no tempo kronos, esquecendo-se do tempo de Deus: Kairós.
O Advento se apresenta mais uma vez, como tempo de Deus, com um forte convite à mudança de paradigmas, à conversão. É tempo de esperança; é tempo de discernimento. Quem estará aberto à esperança? Quem abraçará o discernimento e a conversão? São processos dolorosos sem os quais não nascerá o novo tempo: o tempo de Deus, onde a vida deve resplendecer e ser vivida com dignidade e defendida como dom precioso do Senhor aos seus filhos e filhas.
Escutemos João Batista, a voz que clama no deserto: “preparai o caminho do Senhor” (Mc 1,3). Em meio a tantas pandemias, levantemos a cabeça e façamos com que os vales da indiferença sejam aterrados e as montanhas do orgulho sejam rebaixadas. Não durmamos na indiferença. Não sejamos cultuadores do deus kronos, mas adoradores do Deus de Jesus Cristo, no seu Kairós, para que “julguemos com sabedoria os valores terrenos e coloquemos nossas esperanças nos bens eternos”[2].
[1]http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2020/documents/papa francesco_20200327_omelia-epidemia.html – Acessado aos 10 de dezembro de 2020.
[2]Oração pós-comunhão 2º dom. Adv.
Por Pe. Aluísio da Silva Ramos