Catequese e protagonismo político
“Bons Cristãos e Honestos Cidadãos” (Dom Bosco)
Por Hudson Ramos (@hudsonnramos)
Em todos os anos eleitorais, a Igreja Católica nos convida a refletirmos sobre nosso papel fundamental de eleitores conscientes e responsáveis pela escolha de nossos governantes. Ainda que essa preocupação com a política vá além das eleições1, a Igreja reconhece que o pleito da escolha dos representantes do povo é um momento crucial para o futuro das comunidades, e incentiva que os católicos tenham uma participação consciente e ativa no debate e nas definições das políticas públicas do país.
Uma iniciativa concreta realizada pela Igreja no Brasil é o lançamento de cartilhas2, produzidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com orientações para os fiéis católicos sobre o processo eleitoral em si e sobre o necessário protagonismo político por parte dos católicos leigos.
Diante de tal importância, podemos nos perguntar: Qual é o papel da catequese na formação para a política? Cabe inserir discussões de natureza política nos encontros de catequese? O catequista deve se envolver com questões políticas e até mesmo falar de suas opiniões políticas nas redes sociais e com os seus catequizandos?
Se, de fato, acreditamos na catequese de inspiração catecumenal, ou seja, uma catequese experiencial e vivenciada em comunidade, perceberemos que a catequese pode colaborar para a formação política de nossos catequizandos e tem um imenso potencial de despertar, sobretudo nos jovens e adultos, o desejo de contribuir diretamente com a melhoria da sociedade.
“Ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela” (FRANCISCO, 2013, n. 183).
Por outro lado, envolver reflexões de natureza política na catequese não significa substituir os encontros do itinerário da iniciação cristã por debates histórico-sociológicos sobre modelos de governos ou ideologias partidárias. Discussões sobre as políticas públicas devem surgir em nossos encontros porque emergem dos valores do Evangelho, preocupados com o bem-comum e com a dignidade humana irrevogável de cada pessoa.
Para bem exercermos o nosso ministério de catequistas, também nessa dimensão da formação para a política, devemos cultivar em nós uma autêntica espiritualidade do catequista educador. Mas se todo catequista é um educador da fé, não seria uma redundância sermos catequistas educadores? Não será, se compreendermos a catequese como uma formação integral na vida dos nossos catequizandos.
Quando encontramos irmãos catequistas que limitam a catequese ao ensino de orações, novenas e devoções outras, percebemos que abandonamos a nossa essência de catequistas educadores para sermos catequistas rezadores. Se nossa preocupação maior for “entreter” os catequizandos e oferecer a eles várias atividades lúdicas – porque se não for desta maneira eles perdem o interesse no encontro de catequese –, estaremos limitados a ser catequistas brincadores. E se, ainda, nos entregarmos à tentação de restringir nossas discussões e ensinamentos à doutrina da Igreja, esqueceremos de vez a vivência da fé encarnada na vida das pessoas e seremos meros catequistas doutrinatários, uma espécie de agente autoritário da imposição alienada da doutrina.
Defendo que nossa espiritualidade de catequistas educadores beba do Sistema Preventivo idealizado por São João Bosco3 e seja uma espiritualidade pascal da alegria, do otimismo, da amizade e da relação pessoal com Jesus, de comunhão eclesial e sinodal, mariana, do serviço responsável. Além disso, seja uma espiritualidade que promova a dignidade de todas as pessoas e de seus direitos, o exercício de viver com generosidade na família, a solidariedade sobretudo com os mais pobres, a realização do próprio trabalho com honestidade e competência, a justiça e o bem comum na política, o respeito à criação, o favorecimento do acesso à cultura.
Os catequistas, portanto, precisam estar conscientes da complexidade de sua missão, e as comunidades devem oferecer adequada formação permanente4, auxiliando-os na vivência da catequese renovada que desperta as consciências para ações que visem o bem comum, inclusive no ambiente político.
Trata-se hoje, e sempre será assim, de um grande desafio para o nosso ser educadores tornando possível uma realidade que gere novos modelos éticos. Por isso, não podemos contentar-nos que as nossas obras educativas produzam laureados, mas não cidadãos empenhados na mudança, críticos diante das diversas realidades, competentes não só pela “formação” recebida, mas capazes de “transformação” da mesma realidade como agentes de mudança e melhoria, de esperança e renovação no mundo da economia, da política, da educação, do trabalho, do compromisso social, das mídias sociais…, e para um mundo novo de cidadania ativa, protagonistas do bem-comum (ARTIME, 2020, p. 55-56).
Não obstante, é preciso vigiar para não confundir formar para a política com defender ideologia partidária. Tornar-se um cego militante que diviniza seus escolhidos e demoniza os que pensam diferentes, cultivando a intolerância, a discórdia e a cultura do confrontamento; isso seria um contratestemunho na vida das nossas comunidades.
Ainda que seja direito de cada um apoiar qualquer vertente política, ao catequista cabe estimular, fundamentado nos valores do Evangelho, a reflexão crítica dos catequizandos para que eles possam discernir sobre a realidade que os atinge e agir em favor de todos, inspirados na entrega de Jesus Cristo pela humanidade.
A catequese de estilo catecumenal cumprirá sua vocação se despertar em nossos catequizandos os compromissos eclesial e social. Já nós, catequistas, cumpriremos nossa missão se contribuirmos também com o amadurecimento da consciência política de nossos catequizandos, através de nosso testemunho de vida, incentivando-os a serem verdadeiros protagonistas de um mundo novo, inclusive na área política.
REFERÊNCIAS
ARTIME, P. Àngel Fernández. Estreia 2020. Brasília, DF: Editora EDEBÊ BRASIL, 2020.
CNBB. Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade (Doc. 105). Brasília, DF: Edições CNBB, 2016.
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Santa Sé, 2013.