Os símbolos quaresmais, bem como os gestos e sinais, já são bem conhecidos: Oração, Jejum, Abstinência, Esmola, Cinzas, o Roxo na Liturgia, Penitência, Confissão, Rezar a Via Sacra, os Ramos, a Palavra de Deus… E no Brasil, temos ainda a Campanha da Fraternidade, criada e organizada pela CNBB. Tudo isso faz parte da Tradição Cristã!
No entanto, como vivemos inseridos numa realidade sociocultural específica, vale a pena meditar e questionar: os símbolos e gestos tradicionais da Quaresma ainda se comunicam com o universo contemporâneo? Ainda dialogam com o mundo hodierno?
A nossa Igreja nos ensina que o cristão “se une a cada ano, mediante os quarenta dias da Grande Quaresma, ao mistério de Jesus no deserto”, tornando-se um momento forte da prática penitencial da Igreja (CIC 540,1438). E tudo isso é atualíssimo! Pois continuamos sempre em perigo frente às tentações, e só sairemos vitoriosos se imitarmos a Jesus. A imitação de Jesus nunca deve ser deixada em segundo plano na vida cristã.
Jesus, no deserto, venceu as tentações com dois gestos concretos fundamentais, que sempre serão os destaques da Quaresma: o Jejum – pois Ele nada comeu naqueles dias; e a Palavra de Deus – Jesus responde a Satanás a partir das Sagradas Escrituras: Está Escrito! Se experienciarmos esses dois intensos gestos de Jesus, compreenderemos a importância de vivenciar também os outros sinais e símbolos da tradição quaresmal.
O JEJUM
Três são as dimensões pelas quais podemos compreender o jejuar quaresmal, tomando como base a bela orientação que nos dá a Liturgia das Cinzas, no seu prefácio. Ali, percebemos que com o jejum quaresmal Deus nos faz vencedores das nossas paixões e vícios; eleva bem alto os nossos sentimentos, tornando forte o nosso espírito; dá o prêmio, garantia de uma recompensa eterna. Em outras palavras, podemos classificar o Jejum Quaresmal como sendo um Abster-se de alimentos (aliás, esse Jejum, está presente em toda tradição bíblica e em todas as grandes religiões); um Jejuar do mundo (vide Clemente de Alexandria); e um Jejuar a si mesmo (Lc 9,23).
O Primeiro Jejum (abster-se de alimento), quando não é acompanhado da presunção de ter feito algo grande que carece de reconhecimento, é útil e necessário. Embora não bastando-se a si mesmo, pode servir como “preparatório” para o Segundo Jejum: Jejuar do mundo! Este sim é mais espiritual e, portanto, mais profundo, indo à essência do nosso ser. Jejuar do mundo hoje significa seguir o que diz São Paulo aos romanos (12,2): “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente a fim de poderes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito”. É então abster-se não só do que é pecado, mas também das coisas que sobrecarregam o nosso espírito. É abster-se daquelas coisas que amarram ou fincam o nosso corpo à terra: coisas inúteis, supérfluas, consumistas e mundanas demais, que não elevam o nosso ser.
A PALAVRA
O Terceiro é o mais radical dos Jejuns, pois é o que coloca “o machado na raiz”, e para ter mudança verdadeira, é preciso compreender que a nossa “raiz” pertence à Palavra de Deus, quando nos diz no Evangelho de Jesus segundo Lucas: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo… o que aproveita ao ser humano ganhar o mundo inteiro se perder ou arruinar a si mesmo?”. Mesmo quando subtraímos e jejuamos certas coisas e amarras, é difícil a operação de colocar a Palavra de Deus como “machado” no nosso “eu” velho, tenaz e egoísta. Mas ainda há tempo! E Deus nos dá esse tempo quando, através da Sua Igreja, nos ensina: Quaresma é mesmo tempo de conversão!
Padre José Ramos
(Paróquia Santo Antônio, Tracunhaém – PE)