Presbíteros da Diocese de Nazaré (do clero diocesano e também religiosos) reuniram-se na manhã desta Quinta-feira Santa, 06 de abril de 2023, para a tradicional Missa do Crisma, também chamada de Missa dos Santos Óleos, na qual acontece a renovação das promessas sacerdotais assumidas por cada sacerdote no dia da ordenação, bem como a bênção dos santos óleos usados nos diversos sacramentos durante todo o ano: Batismo, Crisma e Unção dos Enfermos. A celebração aconteceu na Catedral Nossa Senhora da Conceição, em Nazaré da Mata-PE, às 9h, e foi presidida pelo bispo diocesano, Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena.
Confira, abaixo, a íntegra da homilia de Dom Francisco Lucena na Missa do Crisma:
HOMILIA NA MISSA DO CRISMA – QUINTA-FEIRA SANTA – 06.04.2023
Is 61,1-3a.6a.8b-9 – Sl 88 – Ap 1,5-8 – Lc 4,16-21: O Senhor recompensa o sacerdote
Caríssimos irmãos e irmãs,
Como é bom estarmos aqui, marcarmos nossa presença diante do Senhor Jesus crucificado e ressuscitado; estarmos juntos, rezarmos juntos, refazermos nossas forças ao redor da Eucaristia, que é o nosso tesouro. Sim, o tesouro do sacerdote, que preside a santa missa, e para isso é ordenado.
Na leitura que ouvimos do profeta Isaías, o Senhor faz uma promessa cheia de esperança que nos diz: “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus. Eu os recompensarei por suas obras […] e farei com eles uma aliança eterna” (Is 61,6.8). Ser sacerdote é uma graça, queridos irmãos, uma graça muito grande, que não se destina primeiramente a nós, mas aos fiéis; e, para o nosso povo, é um grande dom que o Senhor escolha, dentre o seu rebanho, alguns que se ocupem das suas ovelhas, de forma exclusiva, como pais e pastores. É o próprio Senhor que dá a recompensa ao sacerdote: “eu os recompensarei” (Is 61, 8). E sabemos que Deus é bom pagador, embora tenha as suas peculiaridades, como a de pagar primeiro os últimos e, depois, os primeiros, segundo o seu estilo.
A leitura do livro do Apocalipse diz-nos qual é a recompensa do Senhor. É o seu Amor e o perdão incondicional dos nossos pecados, com o preço do seu sangue derramado na Cruz: Aquele “que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai” (Ap 1,5-6). Não há recompensa maior do que a amizade com Jesus (não o esqueçamos). Não há paz maior do que o seu perdão (isto, sabemos). Não há preço mais elevado do que o seu precioso Sangue: não permitamos que seja rebaixado com uma conduta indigna.
Queridos irmãos sacerdotes, se lermos tudo isto com o coração, veremos que se trata de convites do Senhor para Lhe sermos fiéis, fiéis à sua Aliança, para nos deixarmos amar, nos deixarmos perdoar; são convites não só para nosso próprio proveito, mas também para podermos assim servir, com uma consciência pura, o santo povo fiel de Deus. Este povo o merece, e também tem necessidade. O Evangelho de Lucas conta que Jesus, depois de ter lido a passagem do profeta Isaías diante do seu povo, se sentou; e acrescenta: todos “tinham os olhos fixos nele” (Lc 4,20). Também o Apocalipse nos fala hoje de olhos fixos em Jesus, da atração irresistível do Senhor crucificado e ressuscitado que nos leva a reconhecê-Lo e adorá-Lo: “Olhai! Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, também aqueles que o traspassaram” (Ap 1,7). A graça final, quando o Senhor ressuscitado voltar, será a graça de o reconhecermos, reconhecermos que é Ele e também quem somos nós: pecadores, e nada mais!
“Fixar os olhos em Jesus” é uma graça que devemos cultivar como sacerdotes. No fim do dia, é bom olhar para o Senhor e deixar que Ele contemple o nosso coração, juntamente com o coração das pessoas que encontramos. Não se trata de contabilizar os pecados, mas duma contemplação amorosa em que vemos o nosso dia com o olhar de Jesus, repassando, assim, as graças do dia, os dons e tudo o que Ele fez por nós, a fim de Lhe agradecermos. E mostramos-Lhe também as nossas tentações, para as identificarmos e rejeitarmos. Como vemos, trata-se de compreender aquilo que é agradável ao Senhor e o que Ele quer de nós, aqui e agora, na nossa vida atual.
E talvez, se nos mantivermos sob o seu olhar cheio de bondade, haverá também da parte d’Ele um sinal para Lhe mostrarmos os nossos ídolos. Deixar que o Senhor veja os nossos ídolos escondidos. Todos nós os temos, todos! E deixar que o Senhor veja os nossos ídolos escondidos torna-nos fortes face a eles e tira-lhes o poder.
O olhar do Senhor faz-nos ver que nos ídolos, na realidade, glorificamo-nos a nós mesmos. E também substituímos, com esses ídolos escondidos, a presença das Pessoas divinas, a presença do Pai, do Filho e do Espírito, que moram dentro de nós. É algo que acontece efetivamente. Embora uma pessoa diga a si mesma que distingue perfeitamente o que é um ídolo e quem é Deus, na prática estamos tirando espaço à Trindade para o dar ao demônio. É que o Senhor deixa fazer, afasta-Se lentamente. Além disso, existem os demônios “educados”; acerca deles, disse Jesus que são piores do que o outro que Ele tinha já expulso. Estes são “educados”, tocam a campainha, instalam-se e, pouco a pouco, apoderam-se da casa. Devemos estar atentos; são os nossos ídolos.
É que os ídolos têm qualquer coisa (um elemento) de pessoal. Quando não os desmascaramos, quando não deixamos que Jesus nos faça ver que, errando, neles estamos a procurar-nos a nós mesmos sem motivo, então deixamos um espaço onde se intromete o Maligno. Recordo
três espaços de idolatria escondida nos quais o Maligno se serve dos seus ídolos para nos enfraquecer na nossa vocação de pastores e, pouco a pouco, separar-nos da presença amorosa de Jesus, do Espírito e do Pai.
Um primeiro espaço de idolatria escondida abre-se onde há mundanidade espiritual. O seu critério é o triunfalismo, um triunfalismo sem Cruz. E Jesus reza para que o Pai nos defenda desta cultura da mundanidade.
O segundo espaço de idolatria escondida é o do pragmatismo dos números. Reconhecem-se pelo seu amor às estatísticas. As pessoas não se podem reduzir a números; Deus dá o Espírito “sem medida” (Jo 3,34). O Espírito não tem imagem própria, simplesmente porque todo Ele é Amor, que faz brilhar a imagem do Filho e, nesta, a do Pai.
O terceiro espaço de idolatria escondida é o da mentalidade funcionalista. Não tolera o mistério, aposta na eficácia. Pouco a pouco, este ídolo vai substituindo em nós a presença do Pai. O primeiro ídolo substitui a presença do Filho; o segundo ídolo, a do Espírito; e este, a presença do Pai. O nosso Pai é o Criador: não alguém que faz apenas “funcionar” as coisas, mas Alguém que “cria” como Pai, com ternura, ocupando-Se das suas criaturas e agindo para que o homem seja mais livre. O sacerdote com mentalidade funcionalista tem o seu alimento que é o próprio “eu”.
Nestes dois últimos espaços de idolatria escondida (pragmatismo dos números e funcionalismo) substituímos a esperança, que é o espaço do encontro com Deus, pela constatação empírica (experiência). Trata-se duma atitude de vanglória por parte do pastor, uma atitude que desintegra a união do seu povo com Deus. Esconder estes ídolos e não os saber desmascarar na vida quotidiana prejudica a fidelidade da nossa aliança sacerdotal e resfria a nossa relação pessoal com o Senhor.
Queridos irmãos, Jesus é o único caminho para não nos enganarmos no conhecimento do que sentimos e para onde nos leva o nosso coração; é o único caminho para um bom discernimento, confrontando-nos, dia a dia, com Jesus como se Ele estivesse também hoje sentado na nossa igreja paroquial e nos dissesse que hoje se cumpriu tudo o que acabamos de ouvir. Jesus Cristo faz com que estes ídolos se manifestem, se veja a sua presença, as suas raízes e o seu funcionamento, a fim de que o Senhor os possa destruir. Esta é a proposta: dar espaço ao Senhor, para que Ele possa destruir os nossos ídolos escondidos. E devemos ter em mente e estar atentos para que não renasça a cizânia destes ídolos que soubemos esconder nas dobras do nosso coração.
Que o Senhor nos liberte do desejo de ter, de possuir, de cobiçar, pois é o terreno fecundo onde crescem os ídolos. E que nos alcance também a graça de não desistir na árdua tarefa de discernir estes ídolos que, com grande frequência, escondemos ou se escondem. E quando duvidarmos sobre como fazer melhor as coisas, o Espírito Santo nos ilumine no verdadeiro discernimento.
Enfim, que o nosso povo sinta que somos discípulos do Senhor, sinta que estamos revestidos com os seus nomes e não procuramos outra identidade; e que ele possa receber, através das nossas palavras e obras, este óleo da alegria que nos veio trazer Jesus, o Ungido. Amém.
Imagem de capa: Márcio Ricardo