“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.” (Mt 6,6).
Anualmente, a Igreja de Cristo vive um grande retiro espiritual em preparação à Pascoa. Estamos nos referindo ao tempo da Quaresma, tempo eminentemente penitencial em que todos nós somos levados, na fé, ao deserto com Jesus para, com Ele e Nele, vencermos as tentações do diabo, que procura nos afastar dos caminhos de Deus. Para triunfarmos, com Cristo, nessa luta espiritual que se estende até os nossos dias, o Senhor nos propõe três gestos concretos que devem orientar a nossa vida nesse tempo Quaresmal e que nos colocam em unidade com Deus e com o próximo. São eles: a Oração, a Esmola e o Jejum. Esses três caminhos penitencias, se vividos com fé, produzirão em nós uma verdadeira conversão espiritual que frutificará em gestos de amor, caridade e perdão. Reflitamos, brevemente, sobre o primeiro pilar dessa tríade quaresmal: a Oração.
Se nos debruçarmos sobre as Sagradas Escrituras, de forma muito particular no Novo Testamento, encontraremos Jesus rezando a sós em muitos momentos. Ele é, por excelência, o modelo do homem de oração, de todo aquele que, nos momentos decisivos da vida, abandona-se nos braços do Pai. De forma pedagógica Jesus nos ensina que:
A oração deve ser humilde diante de Deus (Lc 18, 10-14) e diante dos homens (Mt 6, 5-6); Mc 12,40), de coração mais do que com os lábios (Mt 6,7), confiante na bondade do Pai (Mt, 6,8; 7,7-11p) e insistente ate a importunidade (Lc 11, 5-8; 18, 1-8). Ela é ouvida se feita com fé (Mt 21,22p), no nome de Jesus (Mt 18, 19-20; Jo 14, 13-14; 15,7. 16; 16, 23-27) e se pede coisas boas (Mt 7,11), tais como o Espírito Santo (Lc 11,13), o perdão (Mc 11,25), o bem dos perseguidores (Mt 5,44; cf. Lc23, 34), sobretudo a vida do reino de Deus e a preservação durante a provação escatológica (Mt 24,20p; 26,41p; Lc 21,36; cf. Lc 22, 31-32); essa é toda a substância da oração modelo ensinada pelo próprio Jesus (Mt, 6, 9-15p)[1].
Como nós podemos observar, a oração é um constante estar na presença de Deus, quer seja com palavras ou mesmo com atitudes que revelem ao mundo a presença e o amor redentor de Deus. Essa visão de uma vida que se torna uma constante oração nos é apresentada, de forma muito bonita, por São Bento em sua regra monástica. Para o pai do Monarquismo Ocidental, a vida de cada monge dever ser uma constante ação de graças a Deus, uma oração testemunhada nos trabalhos do dia a dia e na vida fraterna.
É importante frisarmos que para bem rezarmos faz-se necessário silenciar, não apenas externamente, mas principalmente interiormente. Ninguém pode ouvir a voz de Deus sem antes silenciar, como fez o Profeta Elias (cf. 1Rs 19, 9-15). A oração é, por excelência, uma “conversação do espírito com Deus”[2], um momento único na caminhada espiritual de cada fiel que deposita em Deus as suas esperanças. Na oração, a Igreja peregrina é associada à dos santos, cuja intercessão é solícita por cada um de nós. Este caminho de unidade só pode ser trilhado por aqueles que, de coração humilde, abrem-se à graça de Deus, abundantemente derramada sobre seus filhos e filhas.
Outra coisa muito importante quando falamos de oração é que ela deve ser simples sem deixar de ser profunda, como nos ensinou o próprio Jesus ao transmitir aos seus discípulos a sua oração pessoal: o Pai-nosso. Disse-lhes Jesus:
“Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes” (Mt 6, 7-8).
Ora, se Deus sabe do que necessitamos, antes mesmo de lhe pedirmos, poderíamos nos questionar qual é, afinal de contas, a finalidade da oração em nossas vidas. Sobre essa questão, assim fala Olivier Clément:
A oração não procura atrair Deus para nós, porque Deus “é mais interior a nós do que nós mesmos”, diz Santo Agostinho. Sua finalidade é aproximar-nos dele, e na sua distância do diálogo, tomar consciência da sua proximidade. “Senhor, tudo está em ti, eu mesmo estou em ti, recebe-me”, diz o peregrino Macário em o Adolescente de Dostoïevski[3].
Verdadeiramente, caríssimos irmãos e irmãs, “[…] é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso. Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso[4]”, vai nos dizer um dos prefácios da Santa Missa. Se buscamos uma definição sobre o que é a oração, o supracitado prefácio nos dá uma bela, simples e profunda resposta: a oração é o dom de louvar a Deus pela vida e por tudo quanto, em sua liberalidade, Ele nos concede a cada instante de nossa caminhada rumo aos céus.
Como estamos percebendo, a oração não sai apenas dos lábios, mas do coração, isto é, de todo o ser. É um grito que emerge das profundezas da alma humana, sedenta do Infinito, e eleva-se aos céus. De fato, “assim como as árvores de raízes profundas não são quebradas nem arrancadas pelas tempestades, […] as orações que vem do fundo do coração, assim enraizadas, sobem ao céu com toda confiança e não são desviadas pelo assédio de nenhum pensamento. Por isso, o salmo diz: ‘Das profundezas clamei a ti, Senhor (Sl 129,1)’”[5]. De forma muito clara, a oração é um estado de elevação da alma a Deus, um momento de encontro pessoal entre os filhos que buscam alento e proteção nos braços do Pai, sempre solícito às dores de seus filhos e filhas. A oração é, portanto, um ato de confiança no amor misericordioso e fiel de Deus.
Diante da atual situação pandêmica que atravessamos, é notória a grande necessidade de mantermos acesas em nossos corações a chama da fé e da esperança, não somente por nós, mas também por todos quantos se encontram em situações mais sofridas que nós. Como nos ensinou o Papa Francisco, em uma das suas catequeses semanais: todo aquele que reza não reza somente por si, mas por todos os fiéis unidos nos laços eternos do mesmo Espírito que nos torna corpo místico, santo e peregrino. Todo aquele que reza sem o amor de Deus em seu coração profere palavras vazias de vida, por mais belas e coerentes que possam parecer, pois a grandeza daquilo que fazemos não depende das suas dimensões físicas, mas da intensidade do amor com que vivenciamos cada experiência da qual somos parte.
Desde os primórdios da Igreja de Cristo, a oração sempre resplandeceu como um claro distintivo da comunidade de Jesus (cf. At 2, 42). Como nos mostra esse pequeno trecho dos Atos dos Apóstolos, os cristãos eram assíduos na oração em comum presidida pelos apóstolos. Tal vida de oração tinha como núcleo a celebração eucarística. Eis outro ponto que gostaria de abordar brevemente.
Na vida da Igreja, a celebração da Santa Missa é a mais bela das orações, a melhor das orações; a rainha, como dizia São Francisco de Sales. Nela, nos ensinam os Santos Padres, reza Jesus Cristo, homem-Deus, cabendo a cada um de nós associarmo-nos as suas preces, depositando em seu altar as nossas vidas, pois: “O que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo dará”, disse Jesus (Jo 16,23). Igualmente nos recorda São João Crisóstomo: durante a Missa, nossas orações apoiam-se sobre a oração de Jesus Cristo. Nossas orações são mais facilmente atendidas, eficazes, porque Jesus Cristo as oferece ao seu eterno Pai em união com a sua[6].
Eis, meus irmãos, a forma mais sublime de rendermos nossos louvores a Deus: participarmos dignamente da Santa Eucaristia, para que assim nos tornemos, todos nós, presença oferente de Cristo na história. Eis aqui uma das dimensões do discipulado cristão desde a era apostólica. A vida de oração e o serviço aos pobres e sofredores, pois “nisto saberão que vós sois os meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). À luz desse mandato do Senhor, um dos maiores desafios da vida de um cristão não é somente proferir orações, mas ele mesmo tornar-se uma oração, transparência de Cristo no mundo, sinal do amor eterno e cuidador de Deus. Deveras, “toda a existência do cristão pode, até nos seus compromissos mais cotidianos, tornar-se oração, se a esperança e a confiança o conduzirem através das vicissitudes, se for interpretada inteiramente à luz da cruz e da ressurreição. Então o homem se torna capaz de prolongar a liturgia na cultura e na sociedade […]”[7].
Portanto, envoltos na espiritualidade do “deserto Quaresmal” que atravessamos, na força do Espírito de Cristo, unamo-nos em íntima oração ao Senhor que, trazendo-nos o seu Reino, nos convida a conversão.
[1] A Bíblia de Jerusalém: Novo testamento e Salmos. 4a Edição. São Paulo, Paulus, 1985, p.32.
[2] CLÉMENT, Olivier. FONTES: os Místicos Cristãos dos Primeiros Séculos: textos e comentários. Edições Subiaco, 2003, p. 167.
[3]Ibid., p.167.
[4]Prefácio Comum IV – O louvor, dom de Deus.
[5] CLÉMENT, Olivier. FONTES: os Místicos Cristãos dos Primeiros Séculos: textos e comentários. Edições Subiaco, 2003, p. 168.
[6] http://nspiedade.com.br/novo/event/a-santa-missa-nos-minimos-detalhes/. Acessado em 07/03/2021 às 17:15.
[7] CLÉMENT, Olivier. FONTES: os Místicos Cristãos dos Primeiros Séculos: textos e comentários. Edições Subiaco , 2003, p. 194.
Por Pe. Marcos Antônio de Arruda Moura