Iniciamos a Quaresma, elevando a Deus a seguinte prece: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que ao longo desta quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder ao seu amor, por uma vida santa” (Oração da Coleta – 1º Domingo da Quaresma). Progredir no conhecimento de Jesus Cristo, eis o caminho proposto pela Igreja!
Para compreendermos a Paixão de Cristo, ontem e hoje, no primeiro domingo da quaresma, de cada ano, a porta das celebrações é aberta com o relato das tentações de Cristo. Neste ano (Ano C), ao concluir o Evangelho, assim expressou-se o evangelista Lucas: “Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno (Lc 4,13). No domingo de ramos, o evangelista apresenta-nos o tempo oportuno. As três tentações são repropostas a Jesus, pelos mestres do povo, pelos soldados e por um dos malfeitores (Lc 22,35-39); cada uma dessas categorias representa uma tentação, cuja finalidade é desviar Jesus da missão recebida pelo Pai: salvar a humanidade.
A tentação é: salva-te a Ti mesmo! Jesus é tentado a viver egoisticamente, pensando primeiramente em Si; porém, o seu revolucionário ensinamento não é uma peça de retórica, mas uma vida doada sem limites. Para compreender a Paixão de Cristo é indispensável conhecê-Lo e abraçar, sem restrições, o seu ensinamento que, segundo Lucas, “agita o povo” (Lc 23,5). Essa agitação é provocada por uma nova tomada de consciência, frente aos desafios pelos quais passa a humanidade, ontem e hoje. Não se trata de um ensinamento para manter viva uma religião de vitrine, cuja ineficácia colabora para que seja hasteada nos corações das pessoas a tentação “salva-te a ti mesmo”, mas para que, no lugar desta, seja hasteada a bandeira “Pai, seja feita a Tua vontade”.
A Paixão de Cristo, como memória da sua presença, celebrada na Eucaristia, continua presente nos dias atuais, na vida das pessoas que não estão apenas frequentando os ritos nos templos, mas com Jesus repetem a cada instante desafiador da vida: “Pai, seja feita a tua vontade!”. Quando não é a vontade de Deus que está em evidência na vida humana, com certeza se faz presente o “salva-te a ti mesmo”. E as consequências de quem quer salvar-se é o sofrimento e a destruição da vida, nos seus vários níveis. E onde a vida está sendo tirada – mesmo que seja por homens e mulheres “religiosos” – é Cristo que está sendo sacrificado (Mt 25,40).
Durante a quaresma, é proposto pela Igreja do Brasil um tema para ser discutido, rezado e vivenciado. A Campanha da Fraternidade é um convite para que olhemos ao nosso redor se, de fato, estamos seguindo o ensinamento de Jesus ou o ensinamento do demônio. Só para lembrar: a proposta do demônio é “salva-te a ti mesmo”; a proposta de Jesus é “Eu vim para servir e dar a vida pela salvação de muitos” (Mc 10, 35).
No domingo de ramos, fomos convidados a participar da coleta da solidariedade. É evidente que esta coleta é o termômetro que aponta a nossa temperatura: se para o “salva-te a ti mesmo” (demônio) ou para o “vim dar a vida para a salvação de muitos” (Jesus). É impossível ser de Jesus e não colocar a vida a serviço da humanidade, na prática cotidiana da caridade, a fim de que os crucificados – pelos que querem salvar as suas vidas – sejam libertados da maldade; e aqueles que procuram salvar a sua vida, se convençam de que não há outro caminho para a paz e para o progresso entre os povos senão pelo abandono do “salva-te a ti mesmo”.
Portanto, seguir o ensinamento agitador de Jesus, que faz correr em nossas veias o sangue novo do amor, e não do ódio, do respeito às pessoas, e não da discriminação para com elas, da luta para erradicar da humanidade a violência nas suas várias manifestações, eis a bandeira da Paixão de Cristo! Sem o seguimento deste ensinamento, continuaremos sucumbindo, querendo salvar nossas vidas e mergulhando cada vez mais na noite da morte, fechando-nos, assim, à abertura da manhã radiosa da Páscoa do Senhor.
(Paróquia São Vicente Férrer)