Banhados em Cristo, somos uma nova criatura.
As coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo.
Aleluia, aleluia, aleluia!
Com essas palavras, o canto para aspersão dos fiéis revela, para o cristão atento, a singularidade dessa noite de vigília, dia santo e tempo fecundo do ano litúrgico, a Páscoa do Filho de Deus.
Noite que lança um raio de luz sobre o olhar cristão, uma vez que o tempo da Quaresma nos apresenta como proposta de boa vivência, também, o jejum do olhar, quando cobre as imagens dos templos para que o essencial seja captado para além dos sentidos comuns.
Sendo a Sexta-feira Santa o momento oportuno para prestarmos atenção à Cruz do Senhor e ao caminho que Ele percorreu em vista da vontade do Pai, a particular noite que abre o Tempo da Páscoa, então, aproxima-nos da experiência paulina da entrada na vida nova de Cristo: “Imediatamente, uma espécie de membranas lhe caíram dos olhos, ele (Paulo) recuperou a vista, e recebeu então o Batismo e, depois de alimentar-se, recuperou as forças” [1].
É na Páscoa de Jesus que ganhamos um novo olhar, somos fortalecidos pelo alimento do próprio Senhor (“fazer a vontade do Pai”[2]) e somos impelidos a assumir Cristo agindo em nós.
A ressurreição de Cristo estreia uma nova dimensão do ser humano, pois alcança cada um dos que acreditam e aderem ao seu projeto de vida a um novo patamar existencial. Segundo Bento XVI, trata-se de abraçar uma “mutação decisiva, um salto de qualidade[3]”. A vinda de Jesus nos ensinou a sermos e agirmos como homens de verdade, e sua ressurreição “grava como um selo[4]” no nosso ser essa ideia fortemente revolucionária que nos impele a testemunharmos, de forma clara, a beleza dessa novidade.
Quem ressuscitou com Jesus é uma nova criatura; e essa nova realidade não pode ser demonstrada, estritamente, na vivência de ritos, por vezes descomprometida com a vida. É preciso manter os olhos bem fixos n’Ele, para não adulterar ou desviar o conteúdo vivo da Boa Nova.
No exercício do ser cristão, somos levados a aprofundar o conhecimento e o amor pelo Cristo e sua proposta de uma experiência com Ele no seio da comunidade de fé. Pois a fé comprometida não é um caminho alternativo ao da fé professada com os lábios; ao contrário, é o entrelaçamento do mesmo fio de corda. Somos, por essência cristã, “vocacionados à experiência”[5], e colocar em prática essa dimensão fundamental não pode ser um ato isolado, restrito a um aspecto da vida
Portanto, é neste Tempo da Páscoa que devemos perceber, com forte teor de sensibilidade, os sinais de vida e ressurreição no nosso dia a dia. Em cada gesto de inclusão, oferecimento de perdão, vivência séria e comprometida com a oração, escuta sincera dos sofrimentos dos outros etc. Aí está a resposta mais séria ao chamado à experiência de fé, pois como afirma o apóstolo Paulo: o que vale em Cristo é “a fé que se age pelo amor[6]”.
Celebrar a Páscoa, em toda a sua plenitude, requer, além de receber essa vida nova de Cristo, que saibamos responder com sinceridade ao instigante apelo do Espírito Santo, Espírito de Cristo ressuscitado, que clama por testemunhas geradas pelo amor.
[1] Bíblia: Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo, Loyola, 2004, p. 2123.
[2] Bíblia: Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo, Loyola, 2004, p. 2055.
[3] Bento XVI, Papa. JESUS DE NAZARÉ. São Paulo, Planeta, 2013, p. 219.
[4] Bíblia Sagrada: edição Pastoral. São Paulo, Paulus, 1990, p. 836.
[5] De Lubac, H. La Mystique et le Mystiques. Paris, DDB, 1964, p. 2.
[6] Bíblia: Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo, Loyola, 2004, p. 2264.
Por Pe. Ayrton Barbosa da Silva Filho
(Vigário Paroquial da Paróquia São José, Feira Nova – PE)